quinta-feira, 24 de junho de 2004

24 de junho

Foi preciso que numa noite quente 
um raio de lua a iluminasse 
como um spot celestial 
sobre um palco de lençoizinhos coloridos 
pra que me descobrisse, num repente, 
arrebatado pela sua presença de estrela 
Protagonista da representação mais real 
da pantomima fascinante 
da imortalidade 
Ali, encarnada em menos de um metro de gente 

quarta-feira, 23 de junho de 2004

Brizola: homem que amou demais

Julio Vellozo


Brizola foi faca amolada e não esse sonhador bobo, espécie de nacionalista de folhetim, Policarpo Quaresma dos pampas, que andam pintando por aí. Quando soube da morte do Leonel - governador de dois estados, herói da legalidade, sujeito homem - fiquei comovido de verdade. E fiquei puto por ver a forma como pintaram o velho gaudério. Brizola foi homem de discursos e de ação, construiu escolas e pegou em armas, fez mais inimigos do que amigos, foi traído por muitos mas nunca traiu ninguém. Não precisava de retoques: se sua vida foi assim, que o deixassem morrer como viveu.

Homens como Brizola não conhecem meio termo, tem horror a hipocrisia e querem distância dos rapapés da formalidade. Ele não queria terminar a vida como se não tivesse inimigos, recebendo elogio choroso da Miriam Leitão. Tenho certeza de que preferiria um editorial da Globo bem feliz, comemorando a partida de mais um caudilho nacionalista e atrasado. Conhece-se o caráter de um homem pelos inimigos que tem, já dizia um sábio.

O pecado de Brizola foi amar demais, como talvez dissesse o Paulinho da Viola. Amou o Brasil de modo tão violento, tão passional, que fez política como quem defende um filho ou um irmão: com as vísceras. Quando a paixão e a razão se encontraram esteve no lugar certo, mas com o dobro da coragem dos simplesmente racionais. Quando a paixão e a razão se desencontraram esteve do lado errado, encontrou inimigos que não existiam, combateu pessoas a quem deveria se aliar. Acertou quando a vida pedia coragem, e errou onde a coragem não cabia na vida.

O Brasil deveria saber amar Brizola como ele o amou. Dos “filhos teus que não fogem a luta”, ele foi dos mais corajosos, sinceros, passionais e honestos. Ele não temeu quem adora a nossa pátria à própria morte. Estes agora querem transforma-lo em navalha sem corte. Pelo bem da história tomara que não consigam. 

terça-feira, 22 de junho de 2004

Leonel de Moura Brizola




Uma parada cárdio-respiratória aparentemente motivada por infarte fez o que a ditadura militar e o mais poderoso conglomerado de comunicação de massa do planeta juntos não conseguiram: calar a voz do velho caudilho. Sem dúvida, um dos políticos brasileiros mais importantes do século XX e uma das mais populares figuras da esquerda nacional, juntamente com Prestes e Lula. 

Tendo dele discordado um sem número de vezes, mais do que exaltar sua participação fundamental em tantos episódios da história republicana nos últimos 60 anos, deixo aqui a minha homenagem ao homem público que, no meu imaginário, desde as históricas eleições de 1982, sempre representou na política a sobrevivência da dimensão fundamental do sonho. Naquele pleito, impingiu a maior derrota eleitoral às forças políticas conservadoras, elegendo-se na contra-mão de todos os interesses e conspirações, apoiado pelas massas excluídas dos morros e da Baixada Fluminense. Mas vinte e um anos antes, Brizola já liderava a resistência à tentativa de golpe contra Jango requisitando a marcha sobre Porto Alegre de cavaleiros das estâncias riograndenses, com seus ponchos e bombachas, a quem armou com revólveres requisitados à uma grande fábrica gaúcha de armamentos. A atitude à primeira vista quixotesca acabou por engendrar a corrente de legalidade que garantiu a posse de Goulart e postergou por três anos o golpe que viria a instalar a ditadura militar no Brasil. 

Movido pelo mesmo sonho, o velho Leonel pôde dar asas às maravilhosas insanidades de outro sonhador, o saudoso Darcy Ribeiro, e romper pela primeira vez na história brasileira com o estigma de que a educação de qualidade seria prerrogativa dos filhos das classes abastadas. Ainda sonhando com uma sociedade onde a polícia respeitasse os barracos dos morros tanto quanto os apartamentos da Zona Sul carioca, foi criminosamente acusado, com patrocínio da Vênus Platinada, de se aliar aos interesses de traficantes com finalidades eleitoreiras. Raciocínio que, docemente abraçado pelas elites para as quais pé na porta do barraco dos outros é visita, não impediria que Brizola voltasse ao Palácio Guanabara nos braços do eleitorado pobre e politizado das regiões mais oprimidas da metrópole fluminense. Com que outras armas, senão o sonho, o caudilho poderia prometer acabar com a concessão pública ao sistema Globo com uma canetada? Meu Deus, quanto eu mesmo não sonhei com isso?... 

A lembrança que não posso deixar de registrar: eu, com dezenove anos, enfiado até o pescoço na campanha pesidencial de Mário Covas, assistindo ao último debate do primeiro turno das eleições. Minha mãe não entende nada quando, entrando na sala, me pega aos prantos gritando: “eu vou votar no Brizola, mãe... Eu vou votar no Brizola”! Motivo: o mais belo discurso que ouvi do maior dos oradores da política brasileira do meu tempo. Até o último de meus dias, não me sairão da mente as suas palavras: “Não votem em mim; votem em qualquer destes democratas que aqui se encontram”, em alusão às ausências do favorito Fernando Collor e do estapafúrdio Sílvio Santos. E pode ser verdade que a história não seja feita do “se”, mas também me permito imaginar, se não fossem pouco mais de 200 mil votos, o velho Leonel reduzindo a pó o “inspirado” candidato oficial no famoso debate depois torpemente editado pelo Jornal Nacional. 

E é essa a imagem, pois, que transmitirei à minha filha: a do nosso bravo e incansável Dom Quixote, investindo com seu corajosos devaneios contra os moinhos de vento do poder econômico e político exercido historicamente em nosso país em detrimento do interesse dos trabalhadores e de todo o povo. Para que nós possamos levar a diante a preciosa herança que nos legou – o sonho – nestes tempos em que a rude ditadura da realidade dada parece a cada dia mais ofuscar o brilho das nossas últimas esperanças.

quarta-feira, 16 de junho de 2004

25 anos sem Dalcídio Jurandir – 1979/2004



Transcrevo a importante nota abaixo, da parte do Instituto Dalcídio Jurandir, em homenagem aos 25 anos da morte deste grande escritor brasileiro: 


O Instituto Dalcídio Jurandir vem trabalhando com muita determinação a reinserção do nome e da obra do escritor marajoara no horizonte da literatura brasileira e é com grande alegria que já podemos dizer estar quase no prelo, com lançamento previsto para outubro deste ano, o romance Belém do Grão Pará, quarto volume (de 10 romances) do Ciclo do Extremo-Norte que, com o romance Linha do Parque, forma o conjunto da obra que recebeu o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, no ano de 1972. Dalcídio faleceu no dia 16 de junho de 1979, no Rio de Janeiro, cidade que escolheu para viver, desde a publicação de seu primeiro romance, Chove nos campos de Cachoeira, em 1941. 

Belém do Grão Pará é o primeiro relançamento da obra do autor, previsto pela editora Fundação Casa de Rui Barbosa em coedição com a EDUFPa, editora da Universidade Federal do Pará. A FCRB abriga o acervo pessoal do escritor no Arquivo Museu de Literatura Brasileira e prepara-o para que, no menor prazo possível, ele esteja à disposição dos pesquisadores. 

Com uma edição no Brasil e outra em Portugal, esse romance marca sensivelmente as letras cariocas porque conquistou, em 1960, o prêmio Paula Brito da Biblioteca do Estado da Guanabara (em sua última edição) e também o prêmio Luiza Cláudio de Souza, do Pen Club.

O trabalho de preparação textual - com inclusão de notas, introdução e glossário de termos regionais – foi realizado pelas pesquisadoras Marta de Senna e Soraia Farias Reolon Pereira, da FCRB. A programação de relançamento inclui a realização de um seminário inter-regional, que contará com a participação de professores-pesquisadores do norte e do sudeste, para discutir a obra e os temas sempre atuais que ela suscita. 

A seguir, trecho do ensaio crítico Os inocentes da passagem, do professor e filósofo Benedito Nunes, sobre a obra e sobre o romance Belém do Grão Pará: 

“(...)Com paisagens urbanas recorrentes – Cachoeira do Arari e Belém, o vilarejo na ilha do Marajó e a Metrópole, que se personificam na memória de Alfredo, um dos seus principais personagens, se não for a sua figura central como ligação entre os romances componentes, e que mais visceralmente próximo está do narrador, com um estilo indireto livre tendendo ao monólogo – o Ciclo do Extremo-Norte, enxerto da introspecção proustiana na árvore frondosa do realismo, afasta-se das práticas narrativas do romance dos anos 30 - como uma certa construção do meio ambiente e a tendência objetivista documental, afinadas com a herança naturalista - graças à força da auto-análise do personagem e à poetização da paisagem. De maneira precisa, esse afastamento, já marcante em Belém do Grão Pará, se tornará definitivo em Passagem dos inocentes. Este romance se volta, de novo, para Belém, que aquele primeiro abrira num largo panorama urbano, e onde Alfredo já estivera 

Cumpre-nos abrir um parêntese sobre esse panorama. Quem lê Belém do Grão Pará, como o romance dos Alcântara (o casal seu Virgílio/D. Inácia e a filha Emilinha), lê a inteira cidade dos anos vinte, tal como a tinha deixado, após o início da decadência econômica, conseqüente à crise da borracha, que culminara em 1912, as reformas do Intendente (prefeito) Antônio Lemos. O drama daquela família, com a qual vivia Alfredo, drama todo exterior, de perda de status, levando a uma mudança de casa e de rua, está relacionado com aquela decadência. Mas só o curioso Alfredo, dono de mágico carocinho, vê a cidade com olhos poéticos: as ruas sombreadas de mangueiras, o Largo da Pólvora sonolento, com o Teatro da Paz, neoclássico, no meio da verdura, as casas baixas ajaneladas, de corredor ou puxadinha, os sobrados revestidos de azulejos que brilham ao sol (...)” 

A delícia do chorinho e a vergonha de ser brasileiro


André Azevedo da Fonseca*


O chorinho diz tudo sobre nossa alma.
Por isso mesmo, morremos medo dele


A apresentação que o grupo Chorocultura realizou durante os eventos da calourada na Universidade de Uberaba de 2002 foi tão assustadoramente autêntica que nos fez lamentar a vergonha que temos de nós mesmos.
Não é que não gostamos de ser brasileiros – lá no fundo, existe até um certo orgulho, assim meio constrangido – mas somos acanhados, vacilantes; dificilmente temos coragem de confessar que o chorinho é a coisa mais certa e mais gostosa para acender alguma coisa indefinível dentro da gente.

A cadência maliciosa de vai-não-vai em que o chorinho se esbalda é uma delícia porque representa todas as características de nossa alma brasileira. Está tudo lá. O bandolim tropeça feito bêbado em uma escala e, através de malabarismos impossíveis, faz tudo dar certo quando o improviso parecia desembestar para a mais tremenda confusão. O sax finge sua manha elegante enquanto o pandeiro disfarça em uma cadência hipnótica. O cavaquinho, naquela de quem não quer nada, cutuca o violão que de repente descamba para a gafieira e o pau come solto.

Mas é por isso que temos medo de gostar do chorinho. Como em um espelho mágico, nos vemos nus, enxergamos nossa alma tal qual, sem ornamentos, sem maquiagem.
O seresteiro canta como se estivesse nos convencendo que todas as suas estórias de sedutor são verdadeiras. Mas ele sabe que não são, mente até mandar parar! Nós sabemos que é tudo papo, mas fingimos acreditar, só pra dar corda. Ele sabe que nós sabemos disso, mas continua fingindo que acredita que nós não sabemos. Nos trata como se estivéssemos fascinados com seus causos fajutos. E o pior é que a gente acaba ficando!

O saxofone ali atrás, amigo da onça, finge contentar-se com seu humilde papel de figurante, mas logo dá um suspiro e admite melancólico, num gemido malicioso (de lágrimas de crocodilo), que estava na verdade era tramando uma estratégia para passar a perna no cantor e roubar a cena, comovendo a todos com um solo irresistivelmente encantador.

Enquanto isso, o cavaquinho e o bandolim, como dois moleques de rua, fingiam se esconder para então nos surpreender em uma, duas, cinco, dez notinhas coloridas, uma após a outra. Subitamente, o bandolim e o cavaquinho param! …e tocam a bola para o sax que mata no peito mas, como Garrincha, não faz logo o gol: enrola, sacaneia, dribla todo mundo, dá chapéu, joga entre as pernas, colocando a partida em risco, enfartando a torcida, descabelando técnico, adiando o gol só pelo prazer de jogar gostoso. E suspira num sol metálico, e a gente suspira junto.

A conversa de cordas da composição de Jacó do Bandolim, lindamente interpretada pelo Chorocultura, é a própria balbúrdia de uma cambada de feirantes tagarelas negociando aos gritos seus hortifrutigranjeiros. Dessa vez, todas as notas parecem querer passar a perna uma nas outras. Evidentemente, é fácil perceber que, neste caso, trata-se daqueles encontros fortuitos de velhos amigos que brincam de ofender-se entre si com todos aqueles nomes sujos que aprenderam na adolescência nos anos 40.

Para terminar, a malandragem come-quieta do cavaquinho abriu as comportas para uma torrente de notinhas de "Brasileirinho", o hino nacional dos chorões que, apesar de arroz-de-festa em qualquer evento cívico, sempre dá água na boca, pois tem uma melodiazinha muito é esperta e saborosa.

Entretanto, quem observou o comportamento do público durante a apresentação percebeu um fenômeno que, por si só, diz quase tudo que essa crônica pretende fazer: que inibição neurótica é essa que nos impede de sair dançando e pulando e se esfregando e esfolando os sovacos feito loucos nessa gafieira canalha? Em vez disso, todos ficaram lá, parados, braços cruzados, como se assistissem a uma palestra ou estivessem esperando o ônibus. No palco, o pau comendo, o cavaquinho alucinado, o pandeiro pegando fogo, o sax mandando ver, e a turma lá de baixo naquela pose de guarda de trânsito. O chorinho é entusiástico, contagiante, mas ninguém se deixou levar pelo inevitável arrasta-pé. O chorinho é enternecedor. Um professor chorou – de verdade! – em "Saudade". Mas ninguém teve coragem de pegar uma dama nos braços e levá-la para as alcovas da suavidade da música... só os dois... esquecendo o mundo… esquecendo até da banda… ninguém!

Por que somos tão travados assim? O que aconteceu conosco que ficamos com vergonha de coreografar todas aquelas verdades sobre nós mesmos, que o chorinho expressa lindamente? Não há nenhuma dignidade nessa timidez mórbida – se é que alguém considera indigno sair dançando e se esfregando feito patife nas gafieiras da vida. A festança do Chorocultura tem toda a força e autenticidade para provocar uma catarse, uma epifania, mas não aconteceu. Ficamos lá, maravilhados por dentro, mas estacionados, parados feito besta, com cara de hidrante. Que insegurança é essa que nos faz ter vergonha de nossa própria alma? Uma das respostas eu sei, mas, evidentemente, não vou dizer pra qualquer um, assim de graça...

[publicado originalmente no sítio Portfólio]

terça-feira, 15 de junho de 2004

Era uma vez um país


Vou contar para vocês uma história passada num país (do qual tenho apenas esparsas lembranças) chamado Organismo, dividido em muitas regiões e habitado por indivíduos chamados células. A política naquele país um belo dia desandou, porque o Partido das Células do Coração (PCCor) advogava medidas para amenizar o que considerava os efeitos nefastos do sistema econômico então vigente sobre a parcela dos indivíduos que habitava a região que representava. Anote-se, para melhor compreensão da História, que aquele país andava fragilizado na comunidade das nações, porque não conseguia produzir mercadorias com alta cotação no comércio internacional: vanidade, sordidez, sede de poder. Em compensação, o estoque de produtos subvalorizados como a dignidade, a coerência e a compaixão andava gerando danos perniciosos ao país, produzindo um excedente de melancolia (espécie de inflação das capacidades produtivas) que estava a paralisar várias atividades consideradas, por muitos, essenciais para a sobrevivência da nação. 

Era justamente esse excesso de melancolia que o PCCor procurava combater, propondo medidas como o estreitamento das relações com outras nações radicalmente amigas e a importação em larga escala de um produto raro chamado poesia. E como o governo do Organismo era particularmente fraco e susceptível às pressões que vinham da região do Coração, as reivindicações eram atendidas amiúde. O problema é que esse estreitamento acabava por gerar, num processo de, digamos, abertura econômica, a entrada em grandes quantidades no Organismo de álcool, substâncias gordurosas e outros agentes nocivos. Isso passou a aliviar significativamente as duras condições de vida das células que habitavam o Coração, mas começou a gerar insatisfação em outras regiões da nação. A situação começou a ficar mais tensa quando nem o incremento das importações de itens fundamentais para regiões carentes, como o Omeprazol, o Legalon 70 e a Colchicina, conseguiam acalmar os descontentes. 

Como os mercados andavam voláteis e as medidas de controle de fluxo ainda eram polêmicas, em um determinado fim de semana em que houve intensa aproximação com nações amigas do continente Carioca, o Organismo foi invadido por doses estratosféricas das substâncias referidas, como se pode ler nos mais abalizados historiadores, para gáudio do PCCor. Aí foi que o Partido das Células Hepáticas (PCH) se insurgiu contra o sobreacúmulo de trabalho a que seus individuos estavam sendo submetidos. Uniram-se a ele indivíduos das regiões dos Rins, do Intestino e até mesmo dos Pés - atingidos pela invasão de criaturas alienígenas conhecidas como Cristais de Ácido Úrico – e sublevaram-se todos contra o governo, que chegou a achar que perderia o controle da situação. 

A situação de momento, informa o correspondente especialmente enviado, é de negociação. O governo prometeu que fechará o fluxo de álcool e gorduras por alguns dias e anunciou medidas de enxugamento da máquina adiposa (embora boatos ouvidos nos mercados desmintam, o que causou forte agitação e conseqüente oscilação do índice de pressão arterial). A região dos Intestinos continua sofrendo atos de sabotagem dos insurgentes (não pode haver outra explicação) e à operação padrão dos Hepáticos juntaram-se os Neurônios, espécie de conselheiros rebeldes do governo. Este limitou-se, até agora, a esta lacônica nota: “só dói quando eu rio”. 

O PCCor informa em nota oficial aos governos das nações amigas que os estoques de prazer e alegria encontram-se substancialmente reforçados, o que tende a diminuir a taxa de melancolia circulante e aparentemente corroborar as medidas por ele propostas. Por isso mesmo as reivindicações serão, por ora, arrefecidas, em nome da governabilidade. 


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A história acima é homenagem a três figuras com quem pude neste final-de-semana exercer a arte maior da Convivência: Dani-sorriso-maracanã, Eduardo e Fefê. E aos atores que participaram desse filme de maneira nada coadjuvante, pelo bolão que bateram: Papai, Dani Boaventura, Sérgio Barreto, Railídia e Iara (a rainha de todas as minhas águas). 

A todos e como lembrança permanente desse momento, cravo aí ao lado (na coluna verde), com atraso, a punhalada primorosa de meu ídolo Aldir, em parceria com o grande Paulo Emílio (aí, se o Aldir me processar, que seja por duplo motivo). Une o sorriso de Dani, a generosidade de Fefê (que me devolveu o Aldir cantando junto com o meu Gordo), a amada podridão de Edu, os rios das minhas mágoas todas e esse nosso lindo monumental porre de 72 horas do qual ainda me refaço, física e emocionalmente. 

sexta-feira, 11 de junho de 2004






Luz Valenciana 

(Paulo César Feital) 


Dizem que Deus, 
Cansado do Divino Ofício 
Redigiu um armistício 
Deu um tempo a Satanás 
Se vestiu de jardineiro 
Um velho bem brasileiro 
Pra ter dois dias de paz 

Vasculho a criação 
Com pá e ancinho na mão 
Despiu-se da Onipresença 
Sentou-se numa nuvem imensa... 
De repente achou, enfim, 
Um lugar pro seu jardim: 
A cidade de Valença! 

E como o Senhor é Deus 
E Deus é surpreendente 
Resolveu criar pra Ele 
Um jardim bem diferente: 
Plantou notas musicais, 
Alguns bemóis, sustenidos 
Ao invés de plantar sementes 
Um dó, um ré, um mi, um fá... 
E o chão Ele orvalhou 
Ao som de um choro dolente 

E no centro do jardim 
Deus, estranhamente, plantou 
Uma só roseira 
Que tão delicadamente 
Concebeu uma só Rosa: 
Uma Rosa violeira! 
E o som vindo da flor 
Tocou, enquanto tocou, 
Toda a nação brasileira 
Um dia ela adormeceu 
E nunca mais despertou 
E dizem que Deus voltou 
Vestiu-se da Onipresença 
E todo dia ele chora 
Todo dia à mesma hora 
Sentado na nuvem imensa 

Quem sabe cantando agora 
Não possamos emanar 
Um canto pra despertar 
A nossa Rosinha de Valença! 


Valsa pra Rosinha 

(Jorge Simas / Paulo César Feital) 

Acorda 
Prima bachiana 
Viola essa cama 
Sente a emanação 
Volta, Luz Valenciana, 
Rosa, te chama o bordão 
Sinta o cheiro do absinto 
Sai do labirinto 
Dessa escuridão 
Tua alma ‘inda se engana 
Ronda a forma humana 
Na interrogação 

Sei, talvez, concretizaste 
O sonho que sonhaste 
E foste até o céu 
E, quem sabe até, formaste 
Um duo de chorinho: 
Rosa e Rafael! 

Mas volta ao corpo 
Pois no quarto 
Pulsa em dois por quatro 
O teu coração 

Ah...Rosinha 
Volta prosa, 
Volta Rosa 
Sonha não! 

Dormes, Rosa 
Eu bem sei que dormes 
No “Abismo das Rosas” 
Como na canção 
Abre os olhos 
Como abrem as rosas 
Que o Brasil precisa 
Do teu violão! 

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Não há mais interrogação. Depois de tão longa noite, Rosinha ontem finalmente despertou. Num outro jardim. Tocando só para o Senhor, que nunca mais há de chorar.