quinta-feira, 29 de junho de 2006

Brigas nunca mais


Olha, tenho me segurado até hoje. Mas para bom estabelecimento da verdade (a verdade da minha opinião, entendam bem; que, aliás, pode mudar daqui a meia hora...), para evitar as brigas nos dias de jogo e os desentendimentos matrimoniais; para que eu possa parar de manifestar meus desvairios no varejo, pelos blogues alheios a fora, e possa trabalhar e deixar os colegas de seção trabalharem; escreverei aqui e agora um único texto sobre a Seleção Brasileira desta Copa de 2006.

Sim, meus amigos, porque as brigas têm-se multiplicado e tenho sido um defensor implacável deste time. Mesmo com os riscos de, em caso de acontecer algo que permito-me não nomear, por superstição extremada, os dedos em riste voltarem-se contra mim e os "não avisei?" massacrarem-me por anos a fio. Porque torcer, enfim, é isso. É abraçar uma causa, contra tudo e todos, tomar partido num dos lados da batalha. E a batalha envolvida numa competição de futebol é muito mais que um triunfo ou fracasso esportivo. Mexe intima e diretamente no âmago da alma brasileira, naquilo que ela talvez tenha de mais frágil: no brio, no orgulho, no amor próprio, no sentimento efetivamente Nacional, aquilo que meu brilhante amigo Felipe Maia mostrou não existir, por exemplo, num país como a Espanha.

Então, tentarei ser objetivo. Em primeiro, Copa do Mundo não é o casados e solteiros dominical do Clube Alvi-Verde da Vila Romana. É uma competição magistral, dificílima, pela tradição, pelos holofotes, por tudo o que fez sua mística desde 1930 e ainda por todo o mais que envolve o mundo do futebol presentemente. A prova disso é que em dezessete edições, com dezenas de países disputantes, temos somente sete campeões. Há os aspectos técnicos, atléticos, propriamente esportivos, mas há os políticos, os históricos, os simbólicos, culturais de muitos espectros.

Segundo. Para o Brasil, tende a ser sempre mais difícil. É o maior dos campeões, indiscutivelmente. É o país de Pelé, pra começar. Depois, é o de Leônidas, de Zizinho, de Garrincha, de Rivelino, de Zico, de Romário, de Ronaldo e de Ronaldinho, pra não ir muito longe. Há sempre uma expectativa internacional e interna enormes, uma cobrança muito grande daí decorrente. Bem, até agora sem novidade.

Terceiro. Há, presentemente, essa transformação de tudo em show business, glamour, badalação etc., que envolve tudo e todos que têm vida pública de alguma maneira, e não seria diferente para os jogadores de futebol. Há o dinheiro milionário que ganham, há o fato de jogarem muito longe dos torcedores nacionais, tornando-os tão desconhecidos, tão distantes como Brad Pitt ou Bento XVI. Eu que moro em São Paulo, vi o Zico no campo dezenas de vezes, muito menos que meu pai viu Pelé. Mas minha filha não vai ver o Robinho nem o Ronaldinho Gaúcho. Isso tudo tende a criar uma distância da Seleção com o povo. Nada disso é culpa do Ronaldo, do Roberto Carlos, do Dida ou dos outros todos (talvez com duas ou três exceções) que são pessoas nascidas nas classes mais pobres da população e que ascenderam pelo talento, pela arte de bem jogar. A culpa é do sistema.

Quarto. Esse distanciamento só pode ser quebrado com uma figura altamente carismática que, por cima do quadro objetivamente adverso, consiga reeditar subjetivamente uma identificação da nação com o escrete. Tivemos isso em 2002 com Luís Felipe Scolari. Não temos agora. Não temos jogadores carismáticos, pelo contrário, no máximo um ou outro chega a ser simpático, como Cafu e Ronaldinho. Parreira é o anti-carismático por definição e Zagallo está velho demais pra pesar na balança. Então, aquela sensação de faltar alguma coisa, de faltar garra, empolgação, amor pela camisa, ou qualquer coisa que o valha é uma soma dos fatores objetivos que apontei acima com essa falta generalizada de carisma.

Quinto. Porque, na minha opinião, não tem faltado garra e nem vontade de ganhar. Olhe no rosto do Ronaldo e veja se falta dedicação. Ou do Ronaldinho, visivelmente insatisfeito com suas atuações, mas em nenhum momento fugindo do jogo ou se escondendo ou negando fogo. Não vi uma pipocada até agora. Não vi um deboche. Sinceramente, de todo meu coração, vejo garotos de 20 ou 30 anos, que tem tudo na vida, muito dinheiro, as mulheres mais belas, badalação, segurança (moram na Europa, não na Barra da Tijuca), prestígio etc. etc. Que tem como ÚNICA motivação de jogar, de dar suas pernas valiosas a quebrar, a mística das Copas e da camisa amarela, o simbolismo, o peso histórico. Isso para pessoas que, repito, não tiveram acesso privilegiado a uma formação cultural mais completa. Eles estão lá, entram em campo, jogam, suam, enfrentam as críticas, as vaias, o jornalista dizendo que estão comendo as mulheres deles, os zagueiros maldosos, as entradas cavalares. E têm ganhado todas até aqui.

Sexto. O time pode jogar melhor? Pode, claro. Mas de quem é a culpa por não o estarem fazendo até agora? É do técnico? É deles? Difícil dizer. Não há possibilidade de treinar, a competição é curta. TODAS as seleções são formadas na última hora e acabam prevalecendo mais os talentos individuais mesmo. Um time como a Argentina tem a seu favor o fato de, se não me engano, onze dos 23 convocados jogarem juntos desde as seleções de base, em 1995. Talvez isso explique um futebol mais "associado", pra usar um termo fora de moda. Há problemas de posicionamento no time brasileiro. Na defesa, clássico, tem sido superado com atuações individualmente brilhantes de Juan (o melhor da Copa, para mim, até agora) e Lúcio e com Emerson encontrando um meio mais eficaz de fazer as coberturas. Mas ainda dá sustos, mesmo assim, e não permite que os laterais possam jogar o que sabem e o que podem colaborar na frente, notadamente Roberto Carlos. Na frente, o que todos pediam insitentemente era a entrada de Juninho no meio pra liberar Ronaldinho pra jogar mais à frente. No último jogo (Gana) aconteceu isso, Juninho jogou mal e Ronaldinho não avançou. É certo que as coisas funcionaram melhor contra o Japão, mas acima de comparações técnicas de adversários, ali não havia a responsabilidade de um mata-mata. O que pode fazer o Parreira, meu Deus, senão experimentar, trocar, avaliar no decorrer da competição e dos jogos? Qual a conclusão? É que, objetivamente, a despeito dos posicionamentos problemáticos da defesa, temos tomado poucos gols e jogado bem, inclusive o gelado e eficientíssimo Dida. E no ataque, temos feito os gols e ganho as partidas, apesar de sabermos que poderíamos ser mais eficientes. E que ainda não conseguimos jogar um jogo pra valer com a formação que se mostrou mais eficiente até aqui, com Zé Roberto e Emerson mantidos no meio, sim senhor, e Robinho na frente ao lado do bravo, eficiente, competente e goleador Ronaldo.

Sétimo. O Brasil foi a única seleção que sobrou nas oitavas. Ao contrário do que alguns dizem, não tomou sufoco, não senhores. Recuou demasiadamente após o primeiro gol, o que provocou desespero num Parreira consciente e determinado a tirar o time da retranca em que se colocou naturalmente. Meus amigos, ganhamos por 3 x 0! Perigo, mesmo, lembro de um chute de Gana e a cabeçada que o Dida tirou por milagre, no reflexo, com o pé. Então, matematicamente, pode ter havido um domínio territorial maior de Gana em metade do primeiro tempo e em uns 15 minutos do segundo, não mais que isso.

Oitavo. O que quereis mais, detratores do futebol brasileiro? O Brasil ganhou no tempo normal TODAS as quatro partidas até aqui, igualado apenas pela anfitriã Alemanha e pela brava seleção portuguesa. Quereis goleadas? As tivestes, duas. Quereis golaços? Tivemos dois do Ronaldo, pelo menos, e um do Kaká, contra a Croácia. Quereis lançamentos magistrais? Kaká os tem dado. Ou não? Insisto: OU NÃO? Quereis garra? Tem havido, ainda que acho que pode haver ainda mais. Quereis que Ronaldinho jogue tudo o que sabe? Também quero. O QUE MAIS? Tem havido alguma dessas coisas nos outros? Sinceramente, não sei que futebol é esse que quereis. É de outra época, por certo, mas QUAL? Hoje, a competição é essa, o perfil internacional é esse, o futebol é esse. E em três últimas copas, ganhamos duas e um vice. E na atual já estamos entre os oito.O que é dar show, jogar bonito? É o que fez a seleção de 70? Então, digo para vocês, e quem me conhece sabe que é verdade, que já assisi os jogos COMPLETOS da Copa de 70 dez ou quinze vezes cada um. Enganam-se os assistidores do vídeo Caras de Todas as Copas que o time do Brasil jogava genialmente por 90 minutos a fio. Pelé errava passes, sim senhores. O posicionamento na frente do Tostão demorou a se acertar, sim senhores. A defesa era uma peneira, sim senhores, e se o time atual levasse um daqueles gols contra o Peru, por exemplo, o técnico seria crucificado em praça pública. Mas o time tinha jogadas geniais e os talentos individuais e a força física excepcional (o preparador era o Parreira, só pra lembrar...) prevaleceram sim. Deram espetáculo porque ganharam todos os jogos, porque fizeram belos gols, porque souberam superar as dificuldades de posicionamento, as limitações técnicas de algumas posições e as improvisações que tiveram que ser feitas. Ou quereis a Copa de 82? Quando o empate nos classificava e mesmo assim o time inteirinho estava lá na frente, quando um belíssimo passe de trivela do Sr. Cerezo cruzando nossa intermediária, certamente para debochar da cintura-dura dos italianos, foi encontrar um Paolo Rossi prontinho pra sacramentar o que os detratores do futebol e do povo brasileiro teimam em determinar seja a sina do Brasil: a derrota.

Mas não desta vez. O povo brasileiro vai pras ruas comemorar o HEXA. Ou chorará a derrota - que faz parte, afinal! -, enquanto os leitorezinhos da Folha de S. Paulo ou d'O Globo vão fazer as suas devidas interpretações sócio-psicológicas, entre um e outro scotch. Sou hoje um afastado do futebol, pode-se dizer, e aqui não é o lugar para discutir as razões. Mas houve época, talvez um seis ou sete anos a fio, que assistia os TREINOS do Palmeiras. TODOS OS SANTOS DOS PUTOS DIAS. Talvez por ter sido boleiro a vida inteira e grosso, e brigador, e aguerrido; talvez por ter sofrido demais pelo meu time e vibrado demais nas vitórias; talvez por ter pegado sol, chuva e tomado borrachada da polícia montada; talvez por isso tudo, futebol para mim seja batalha, seja épico, seja transcendente; talvez por ter visto demais a beleza de zicos e maradonas jogando, ao vivo, ou pelés e ademires-da-guia, pelo vídeo; talvez por ter visto demais a feiura técnica e a paixão desmedida dos Desafios ao Galo, torneio varzeano famoso dos anos 70/80. Talvez por tudo isso. Ou talvez por verdadeiramente desconhecidas razões, eu seja acima de tudo um TORCEDOR BRASILEIRO. Que sofre nas derrotas e comemora as vitórias. Só. Que se apega ao que vê, com o coração, mas cuidadosamente. Sóbrio. E que deixa as teorias para depois.

Chega de briga. Quem discordar, que argumente.


terça-feira, 13 de junho de 2006



Isso é lá com Santo Antônio

Lamartine Babo


Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio
São João disse que não
São João disse que não
Isso é lá com Santo Antônio!

Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio
Matrimônio, matrimônio...
Isto é lá com Santo Antônio!

Implorei a São João
Desse ao menos um cartão
Que eu levava a Santo Antônio
São João ficou zangado
São João só dá cartão
Com direito a batizado

Implorei a São João
Desse ao menos um cartão
Que eu levava a Santo Antônio
Matrimônio, matrimônio...
Isso é lá com Santo Antônio!

São João não me atendendo
A São Pedro fui correndo
Nos portões do paraíso
Disse o velho num sorriso:
- Minha gente, eu sou chaveiro
Minha gente, eu sou chaveiro
Nunca fui casamenteiro!

São João não me atendendo
A São Pedro fui correndo
Nos portões do paraíso
Matrimônio, matrimônio...
Isso é lá com Santo Antônio!
Em dia de estréia, homenagem singela ao grande Maugeri Sobrinho, com quem tive a honra e o prazer de muitas vezes dividir a mesa no falecido (melhor seria "morto-vivo") bar Bom Motivo. Compositor de grande talento, passou necessidade, morreu pobre, sem receber um níquel pela marchinha arqui-popular que compôs em comemoração ao primeiro título mundial do Brasil, em 1958, em parceria com Wagner Maugeri, Lauro Müller e Victor Dagô. Lembrei-me particularmente dele com saudade, tristeza e indignação, ao ver sua composição conspurcada num comercial ordinário de uma conhecida cadeia internacional de lanchonetes. Valeria bem a pena, aliás, investigar se algum centavo foi pago pelos direitos autorais e quem os teria recebido.


A taça do mundo é nossa

Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô


A taça do mundo é nossa!
Com brasileiro não há quem possa!
Eeeeêta esquadrão de ouro
É bom no samba
É bom no couro

O brasileiro lá no estrangeiro
Mostrou o futebol como é que é
Ganhou a taça do mundo
Sambando com a bola no pé!

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Copa de qual mundo?

Chega uma hora que não dá mesmo para fugir do assunto. Não que evite ou não goste, pelo contrário: outros os tempos, e noventa dias antes a pauta ordinária do bar do Tião estaria travada por especulações, expectativas e indignações, que afinal de contas palpite todo mundo pode e quer dar, na arena livre e um tanto surreal que é o butiquim. É que a pseudo-civilização-do-oba-oba-total parece transformar tudo em excesso e náusea. Mas vá lá!

Li outro dia que o pior cego é aquele que quer ver; em compensação, aprendi também que contra fatos há – e como há! – argumentos. Só não vê quem não quer, e argumente quem discordar, que o futebol não é mais o que era nas nossas vidas – nem vem, que as acusações de avanço etário pronunciado não são suficientes para contrariar a implacável observação. Mudamos nós, ou mudou a Copa? Provavelmente ambos, mas acima de qualquer coisa, mudou o mundo.

Porque hoje, meus amigos, nem que queiramos muito, poderemos levar a termo como d’antanho uma discussão minimamente verossímil sobre se a presença do Roque Júnior seria preferível à do Cris. Ou se acertaram (nem digo mais "se o Parreira acertou", envidente o anacronismo da personificação) em levar um garoto como o Fred. É claro que o envolvimento pessoal que tende a diminuir ao longo da vida ajuda a não ter, pessoalmente, a menor idéia de onde joga ou jogou um dia, no Brasil, o rapaz, quanto mais condições de opinar sobre as qualidades de seu futebol. Mas sustentar uma posição taxativa, dizer que vê demais o Gilberto Silva jogar e ele está em muito melhor fase que o Cleverson, ninguém vai me dizer, sem provar bem provado, que pode mais do que acompanhar todos os artigos que mundialmente se escreve sobre Nietzsche. Porque para isso, senhores, há que se acompanhar semanalmente, não o campeonato brasileiro e os regionais de maior destaque, como no meu tempo de garoto; nem, como há uns quinze anos, o certame espanhol e o italiano. Hoje em dia, pra escalar uma seleção brasileira com propriedade, com conhecimento de causa, nem que o caboclo assine o pacote super master special gold vip power plus platinum sport da tv a cabo, pra ver o campeonato inglês, o alemão, francês, português, holandês, russo, grego, turco, japonês, a UEFA...

A Copa do Mundo, em termos esportivos, era o momento de se confrontarem as diferentes escolas de futebol, de se testar o verdadeiro valor de um craque fora do contexto de seus cotidianos conterrâneos adversários. Como se pode falar em escola de futebol quando um jogador argentino joga num time ucraniano, treinado por um técnico holandês? Entre os craques das mais variadas nacionalidades, o confronto é, por excelência, o seu cotidiano; na Copa parece só haver uma nova repartição das equipes, como na pelada de rua, quando um time acabou ficando, na hora de escolher, muito mais forte que os outros. A seleção brasileira é de antemão a campeã, muito menos em função de ter conquistado o último mundial, do que por serem os seus jogadores, isoladamente, peças fundamentais no sucesso particular de seus clubes do momento. E assim continuará sendo, ganhe ou não o Brasil a Copa, enquanto brilharem em seus times o Kaká, o Ronaldinho, o Adriano. A mais badalada competição esportiva mundial mantém, no limiar do século XXI, um modelo baseado na divisão nacional que nem bem no século passado foi pacífico, está em processo franco de perda de importância relativa em muitos domínios e que, particularmente no futebol, já desapareceu por completo. Prova disso são os príncipes etíopes de rancho envergando a nobre camisa da seleção... nipônica!

Futebol é muito mais que um confronto esportivo, ora dirá com sabedoria meu amigo poeta Edson Coelho de Oliveira. O último lampejo épico, observaria a doce Ju Amaral, em meio a uma história cada vez mais fragmentada, a uma vida crescentemente descontínua, das quais estamos sempre e cada vez mais alienados. Talvez por isso, minha casa já esteja enfeitada de bandeirinhas auri-verdes, já tenha chamado os amigos pra ver o jogo e mudado o horário no trabalho. Talvez seja mesmo a hora de ressuscitar os afogados sentimentos, de vestirmos as antigas fantasias amarelas e gritarmos o grito único que, a despeito de poder não fazer mais sentido, seja o único capaz de ainda carregar nossa esperança: BRASIL!!!

Flores para Fiori


A sabedoria do velho Tio Osias desde há muito me chama a atenção: sempre morre um sambista venerável às vésperas do carnaval. Sem arriscar explicações místicas ou psicológicas, limito-me discretamente a verificar ano a ano a inapelável recorrência da misteriosa lei, que tristemente parece ter agora resolvido estender seus domínios ao mundo do futebol.

Morreu nesta madrugada, véspera da abertura de mais uma Copa do Mundo, o grande locutor-poeta Fiori Gigliotti, glória do rádio esportivo paulistano e brasileiro, voz e estilo inconfundíveis a portar por tantos mundiais (desde 62, se não me engano) as esperanças, alegrias e decepções desta nação tão apaixonada pelo rolar da bola sobre a grama. Fiori foi, ao lado de Joseval Peixoto – corrijam-me, se for o caso, os mais velhos (embora não haja mais velhos lendo estas coisas, à exceção do Dinda, que é carioca) – uma espécie de ponte entre a geração primeva de Pedro Luís e Geraldo José de Almeida e as estrelas surgidas a partir da década de 70 como Osmar Santos e José Silvério. Atuou por muitas emissoras, tendo alcançado seu apogeu na Rádio Bandeirantes, onde consagrou para todo o sempre o bordão que ainda ouço ressoar e que, ironicamente, transmutou-se em seu perfeito epitáfio: “o teeeeeeeeeempo passa...”

O tempo passa.

sexta-feira, 2 de junho de 2006

Maçã tatuada

Moacyr Luz e Aldir Blanc


Numa esquina de Copa ficava parada
alvejada pelas setas do vício
e o início tinha sido divino:
um amante latino...
Sua boca vermelha, a maçã tatuada
sobre o ombro (a sombra de veludo)
a pele onde um homem que é nada
pensa que é capaz de tudo

Entre o ouro e a miçanga ofegava a audácia
entre a joalheria e a farmácia
entre ser a nova estrela da Banda
e uma filha de Umbanda...
Toda vez que as pestanas castanhas batiam
o olhar trocava mil slides
Na praia, na lambada,
com a amiga que já faleceu de Aids...

E na bolsa quando ia ao toalete
a gilete, o sempre-livre
e o chiclete importado
o velho exemplar do despertar de algum mago...
O apelido que não posso esquecer:
a Jezebel da Duvivier
Saiu assassinada na manchete
entre a greve e os motins urbanos...
Chamava-se Moema, era morena,
e tinha apenas treze anos

[no "Dia Internacional da Prostituta"]

quinta-feira, 1 de junho de 2006

A Barca aporta no Rio de Janeiro


Depois de pedidos insistentes do meu amigo Paulo Eduardo Neves durante uns bons anos, finalmente o meu querido Rio de Janeiro poderá pela primeira vez testemunhar ao vivo o tão importante quanto festejado trabalho do grupo paulistano A Barca, que lançará terça e quarta-feiras próximas, 06 e 07 de junho, no Teatro Rival BR o esplendoroso álbum quádruplo (isso mesmo: são 3 Cd’s e um DVD!) fruto da última viagem da trupe pelo interior brasileiro, em projeto patrocinado pela Petrobrás.

Inspirado pelo trabalho teórico e prático do grande pensador do Brasil que foi Mário de Andrade, o material que deu origem à caixa Trilha, Toada e Trupé é composto de 300 horas de áudio/vídeo e mais de 6000 fotos, a partir de uma peregrinação por mais de 10.000 km em nove estados brasileiros, do Pará a São Paulo, entre dezembro de 2004 a fevereiro de 2005. Foram trinta comunidades visitadas, entre aldeias ribeirinhas, terreiros, quilombos, periferias de cidades, sempre colhendo material, registrando, ministrando oficinas, fazendo apresentações, interagindo, com grande repercussão por todo o Brasil.

O que ali se vê e que se pode ouvir do que foi colhido é a aparentemente inesgotável e profunda beleza das formas expressivas que misturam sonoridades, coreografias, dramaticidades que levam ao mais aguçado limite a dialética entre simplicidade e sofisticação. Universos sonoro-visuais inacreditavelmente ainda possíveis, formas que se perpetuaram e resistem contra e a despeito de toda desconstrutividade do nosso mundo que a tudo devora e planifica, na alma dos artistas e das comunidades que os gestam, maravilhosamente colhidos, tratados e recriados pelos competentíssimos músicos d’A Barca. O que só faz evidenciar mais e mais as possibilidades de riqueza estética e expressiva espalhadas pelo chão brasileiro que, devo acreditar, devem se constituir na semente certa e boa de todas as nossas demais possibilidades.

No meio do lodaçal em que chafurda o Brasil oficial de garotinhos podres, moluscos ineptos e alquiminstas da barbárie, a encomendação de almas das Cantadeiras do Souza de Jequitibá (MG), o tambor de crioula de taboca da Casa Fanti-Ashanti do Maranhão (que fará participação especial no espetáculo do Rival BR!) a dignidade e a fibra de Mestre Verdelinho (AL) são a experiência possível e real, viva e verdadeira, de um povo que não só pode, mas a despeito de tudo, DÁ certo. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!

Mais informações podem ser obtidas na matéria que o crítico Tárik de Souza escreveu para o Caderno B do Jornal do Brasil (edição eltrônica integral, não há liame direto: selecionar a data na coluna da direita, depois clicar para o Caderno B e ir "folheando") de 31 de maio último, ou no sítio virtual do grupo A Barca.