Em 12 de janeiro de
1913, há exatos cem anos, pois, vinha ao mundo na capixaba Cachoeiro
de Itapemirim aquele que seria para mim o maior dos escritores
brasileiros: Rubem Braga. Como homenagem humílima à imensidão que
representou na minha vida de leitor, tomo coragem para publicar uma
crônica inédita que escrevi na flor de meus vinte anos, por ocasião
de sua partida para a Noite Grande - retocada a lápis, apenas, como
naqueles antigos retratos, para suavizar as imperfeições mais
gritantes do traço. Descontada a juventude que já se foi e a
adoração que nesses vinte e dois anos só cresceu, este pequeno e
despretencioso requiem
conserva tão somente o mérito de se somar às vozes que
afortunadamente quebram o silêncio já não surpreendente dos
“grandes”, absolutamente incompatível com a grandeza e
importância do homenageado. Chama Rubem Braga!
Requiem para Rubem
Passa das onze da
noite. Completam-se sete dias sem o amigo. Amigo que jamais vi e a
quem nunca pude falar. Mas que conheci e conheceu-me tanto – e
tanto me disse! Já andava então por veredas outras, respeitáveis
até, importantes; mas Rubem Braga foi o responsável pela poesia em
minha vida. Não, certo, a poesia ordinária e fundamental da vida,
mas aquela própria que se tece a cinzel sobre o bronze informe das
letras e palavras, acima e antes de qualquer outro poeta. Sem
apologias nem erudições. Simplesmente com sua prosa
cósmico-cachoeirense regada a cachaça ou a uísque, ensinando das
mulheres, das gentes, dos passarinhos e dos pés de caju.
Ah, velho Braga...
Chamo-te assim agora, como te chamaste desde a idade mais tenra,
mesmo sabendo que acharias, assim, esquisito. Mas te chamo porque te
conheço, Braga velho! Chorei tua morte, sim, me achei ridículo, e
depois decepcionado de me ter assim achado. Por que não te posso
chorar, Braga? Se me ensinaste a olhar a vida com os olhos da poesia,
e a conviver com ela não sem sofrer? Por que não posso chorar, se a
fé que tenho não enche esse vazio que me deixou tua partida? Por que rezar pela tua alma, se é a desalma do mundo que padecerá tanto do
teu silêncio?
Esta crônica foi-me
resistida sete dias. De preceito, talvez... E nesses dias todos, como
que a tua cadeira vazia não me deixava de obrigá-la. (Mas falta a
rotina, de que tanto reclamavas...) E já foi emocionada, e foi
melancólica; foi lacônica e foi loquaz, e até irônica. Mas não a
queria de um jeito qualquer - não a queria de jeito nenhum. Queria-a simples, apenas, ainda que sem jeito. Até por
responsabilidade - quanto palavrório por esses dias! A sutileza de
um articulista, por exemplo, largou esta: “Braga morre sem deixar
discípulos. Os jovens de hoje buscam caminhos mais sólidos para
suas glórias literárias.” Me aceita, então, Mestre, a pretensão
única de desamarrar as tuas sandálias cansadas da poeira da vida
toda, na volatilidade dos descaminhos a que te entregaste.
Estes fins de ano andam
tristes que não sei... E este como vai ser, oh Braga, sabedor da
falta de teu olhar de pássaro atento, penetrante e assustado na tua
gaiola de Ipanema? Mas é verão, amigo, e as tardes serão longas e
as mulheres estarão belas. E tu estarás em cada por-do-sol , à
beira do mar que te encantava. E as tuas mulheres todas serão, no
meu coração, apenas uma como sempre foi. Apenas Joana. As tuas
mulheres, Velho, pelas quais chorei em primeiro lugar, quando soube
que partiras.
(São Paulo, 26 de
dezembro de 1990, sétimo dia da morte de Rubem Braga)
Assim como 'em' Braga, sua prosa também está 'carregadinha' de poesia, Fernando. Obrigado pela beleza... Abração.
ResponderExcluirótimo.
ResponderExcluirmas, por favor, acerta ai - é Cachoeiro DE Itapemirim e não DO Itapemirim.