sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Jorge Costa


A primeira vez que o vi tive a certeza de que se tratava de um bamba. Porque eu era garoto, engatinhava na noite, e os sambistas que já trombava aqui e ali, um pouco nos raros espetáculos, um tanto pelas quadras das escolas no de vez em quando, não correspondiam ao estereótipo cravado no imaginário geral brasileiro. Nele, muitíssimo pelo contrário, estava tudo lá: as correntes, medalhões, anéis, a capanga de couro, a boina, a elegância negra, o carisma, as boas companhias, o sapato branco. Aliás, como nesses idos a sexta-feira ainda era o dia que por excelência dava pra fugir para a noite do Centro, quando o via pelo legendário Pena Dourada o branco não era só no sapato; como de preceito, a fatiota todinha luzia de uma alvura que ressaltava ainda mais sua beleza negra madura.

Esse era Jorge Costa, compositor afamado, disputado até, no seu auge pelos anos 60 e 70. Alagoano de nascimento, cedo veio bater no Rio de Janeiro, tendo seu talento musical e a mão das musas o levado ao Morro da Mangueira, onde viria a se tornar grande companheiro de um dos maiores representantes do gênero em que mais tarde tanto se destacaria: Padeirinho. Mas foi em São Paulo, onde uma linhagem muito característica do samba sincopado barbaramente florescia – com expoentes como Caco Velho, Isaurinha Garcia, Germano Mathias e, mais tarde, Miriam Batucada – que Jorge se consagrou entre o nono círculo dos maiorais, precursor do tipo de divisão e levada que mais tarde caracterizariam um outro subgênero tão particular: o samba-rock.

Mas quem conheceu seus sambas pela voz de intérpretes tão consagrados como diversos, num espectro que vai de Ângela Maria a Bezerra da Silva, passando necessariamente por Germano Mathias, Noite Ilustrada, Jair Rodrigues, Nelson Gonçalves, Beth Carvalho, João Borba entre outros, não imagina o sambista magistral, domínio absoluto da percussão e do canto - divisão e suíngue incomparáveis -, verdadeiro “show man” da roda de samba. Sem falar no já citado carisma. Não conheço sambista em São Paulo que, tendo com ele minimamente convivido, não se fascinasse e deixasse influenciar, por qualquer forma, pela sua arte e pela sua figura. Wilson Sucena, Chico Aguiar, João Borba, Valtinho do Violão, a saudosa Denise Camargo e esse que vos escreve talvez sejam os mais confessos, mas certamente não os únicos.

Pra apimentar a sexta-feira e dar o ponta-pé no fim de semana com samba da melhor estirpe, um pouquinho da arte do genial – e hoje tão pouco lembrado – Jorge Costa. Porque amanhã é sábado e tem mais, no Ó do Borogodó. Ao vivo e a cores.